Estávamos no final dos anos sessenta.
Eu e meu irmão ficávamos com Vinha (Silvinha, nossa ama), para que nossos pais fossem trabalhar. Quando meu irmão dormia, eu ajudava Vinha em pequenas tarefas domésticas, enquanto ela me contava histórias de seus namorados, das músicas da moda, das roupas e coisas que as moças gostavam na época.
Íamos para a casa de minha avó paterna com ela, ou ficávamos em nossa casa.
Naquele dia, ficamos em casa. Eu usava um vestido xadrez, com dois bolsinhos na frente e por baixo uma blusinha branca, toda de rendinhas e bordados. Caprichos de Fifi, minha mãe.
Meu irmão dormiu e Vinha me falou: vamos pegar as meias no varal? Eu fui, toda feliz . Poderíamos conversar e cantar.
Na parte de baixo de minha casa, funcionava uma fábrica de chuteiras, cujas janelas do fundo, um depósito de couro, davam para a área de lavanderia da casa. Para aproveitar o sol, Hilda, a nossa secretária, fez um varal encostado nesta parede na escada e lá eram colocadas para secar as meias.
Eu fui ajudando a Vinha e, para ser mais eficiente, fui colocando as meias no bolsinho de meu vestido.
Subimos a escada e fomos colocar as roupas em cima da cama de meus pais e enquanto dobrávamos, íamos conversando. Ouvíamos o velho rádio de pilha do meu pai.
Quando coloquei a mão no bolso do vestido para pegar as meias, senti uma dor forte e gritei! Peguei as meias de novo e a dor foi mais forte ainda. Comecei a chorar e assustada, a Vinha arrancou o vestido de mim e jogou-o na cama. Apareceu um escorpião horroroso, vindo de dentro de uma meia de meu pai.
Enquanto eu me debulhava em lágrimas, todos corriam para me acudir. A palma de minha mão foi ficando roxa e inchada, e a dor era tanta que me lembro como se fosse hoje.
No hospital da cidade não havia soro. Só havia em Belo Horizonte, que ficava a 50km de lá. Meu avô José, preparava o carro para a viagem, que não era fácil naquela época. Nesta demora, eu passava muito mal e via o desespero de minha mãe, que procurava não demonstrar. Mas eu via seus lábios brancos de susto e sabia quando ela estava passando mal.
Doía, doía muito!
Alguém colocou o escorpião num vidro e o mostrou ao médico. Lembro-me dele dizer que, infelizmente, era dos venenosos.
Meu tio veio com uma relíquia de Santa Rita de Cássia, que ganhou de um cardeal amigo da família que morava na Itália. Com um alfinete, colocou em minha roupa para que me protegesse na viagem. Nesta hora eu já havia dormindo (ou desmaiado?) e o carro ainda não se encontrava em condições para viajarmos.
Meu pai cogitou em um carro de praça (táxi), daqueles pretos que parecem besouros, nem sei o nome deles. Não tínhamos telefone, precisávamos mandar chamar o motorista. Demoraram horas.
Quando tudo estava pronto, eu acordei toda faceira e sem reclamar da dor. A relíquia havia sumido. Não sabemos se alguém roubou de mim, ou se eu a perdi, mas nunca mais foi vista.
Eu superei o veneno sem ter recebido socorro médico.
Nunca mais peguei meias no varal, e o dono da fábrica de chuteiras, mandou limpar o depósito, que estava infestado de escorpiões.
Meu pai comprou uma casa e nos mudamos logo para lá.
Apesar dos cinco anos, eu nunca me esqueci deste apuro...
2 comentários:
Deliciosa e curiosa lembrança bem escrita, Claudinha: prazer visitar seus espeços tão bem cuidados, parabéns! Sem esquecer as belas trilhas escolhidas! Quando com mais tempo, voltarei ao "Transmimentos de Pensações" para ter com mais acuidade a trajetória daqueles dois interessantes textos! Um grande abraço deste seu também melancólico visitante, rs!
Ah, Claudinha Highlander e seus apuros... Para mim está claro que nada disso poderia te fazer mal. Antes você teria que reencontrar com algo de algum lugar do passado.
Beijos.
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