quinta-feira, maio 25, 2006

Memórias de Borboleta II

(Eu, na janela do quarto de meus pais, no bairro da Carioca, 1968/69)


- Os Apuros de Claudinha -
- O Boi -

infância faz de nós adultos saudosos. Época de delícias e de inocência, de sorrisos e de curiosidades. Também de aventuras inesquecíveis...
Hoje me lembrei do caso do boi bravo, um dos maiores apuros (e foram muitos) de Claudinha...
Eu, com quatro anos, e meu irmão com menos de um ano, ficávamos aos cuidados de nossa babá (Silvinha - a Vinha) muito querida, enquanto nossos pais trabalhavam. Minha mãe sempre nos deixava na casa de nossa avó paterna, com a babá, mas naquele dia ficamos em nossa casa.
Naquele tempo, fim dos anos 60, em nossa cidade, o transporte de gado para o matadouro era feito através de boiadas. Aqueles animais, dos quais tenho medo até hoje, circulavam em procissão rumo à morte. Sempre ouvi casos horríveis de crianças que ficaram na rua e acabaram no meio da boiada, umas foram pisoteadas, outras saíram incólumes, milagre! Ora, eram casos contados por todas as crianças da rua e eram assuntos meio contagiantes e muito misteriosos... Embora eu nunca tivesse visto nenhum tipo de acidente, acreditava em todas as histórias da meninada.
Neste belo dia, a Vinha, com meu irmão no colo, chamou-me à janela da sala para ver o boi da cara preta passar. “Boi, boi, boi, boi da cara preta...” Minha mãe sempre ensinou que isto era música de terror e não admitia, mas a babá cantava e a gente achava graça. E lá ia o boi preto da cara preta.
Jamais me esquecerei daquela cara, toda preta, bufando, chifres tortos e de repente olhando nos meus olhinhos de menina assustada.
Ele continuou me olhando e deve ter sentido o meu medo porque veio furioso em minha direção.
Só me lembro da Vinha gritando “Vaimbora”! E com apenas uma mão tentando fechar as janelas de madeira antiga, com meu irmão no colo.
O animal furioso, tentava entrar dentro de casa e eu me lembro de ver suas patas batendo na Vinha e na janela. Ela deixou meu irmão no sofá e mandou que eu corresse, enquanto fechava a janela.
A imagem do quarto de meus pais, jamais saiu de minha cabeça. Era um quarto simples, uma cama de casal, um guarda-roupa, um berço enorme, que já tinha sido meu e não entendia porque tinham dado para o meu irmão. Ao lado da cama, dois abajures de louça, recortados, que faziam desenhos no teto e nas paredes. Ainda lembro direitinho da janela que dava para o bairro da carioca (vide foto) e da colcha felpuda na qual eu me ajoelhei.
Jamais havia rezado com tanto fervor. Olhava o crucifixo acima da cama e pedia a Jesus para nos salvar.
Não sei por quanto tempo fiquei ali. Pareceu-me uma eternidade. Só saí quando a Vinha conseguiu fazer meu irmão parar de chorar e o colocou no berço (hmmm, o meu berço...). Ela me levou até a cozinha, mostrou que a janela estava fechada e me deu um bom copo de água com açúcar. Nós duas tremíamos e ríamos de tudo.
Ela não me deixou ver, nem saber naquele dia, mas o boiadeiro matou o boi ali mesmo na porta de minha casa. O animal endoidou.
Deste dia em diante a Vinha passou a ser minha heroína, ela venceu o boi bravo! E passou então a fazer parte das minhas brincadeiras, ela era o cow-boy e eu era o bandido, claro (Já falei do meu desvio de caráter em sempre me apaixonar pelo bandido!)... Ela era o mocinho, e eu assaltava o pote de biscoitos do xerife (minha mãe, rsrs), ou as bananas da vizinha (Ah, Dona Jandira)...

E quantos aos bois, que fiquem bem longe de mim...

.:: Você Ouve: Noites Com Sol - Flávio Venturini ::.

4 comentários:

Marco disse...

Nem o boi da cara preta resistiu aos seus encantos e quis te ver de perto!
Tô brincando...Imagina, pruma criança ver um boi partir pra cima assim...Caraco! Que doideira...
Mas, olha, você descreveu muito bem a sua história com o boi doidão. A gente fica bebendo as palavras e quer ver como aquilo vai acabar.
Um beijo procê e pra Silvinha São Jorge que enfrentou o boi-dragão.

Lilith disse...

Tuas lembranças começam a mesclar com as minhas. Está chegando a hora de nos conhecermos no Jardim de infância...

Beijocas!

Anônimo disse...

Mesmo tendo lances audaciosos,tua memória sépia bem-contada me sabe deliciosa como a remota "Goiabada Cascão".

Muito bom rever teus dias puerícios,porque atualmente a inocência está meio esgarçada.

Um cheiro.

diovvani mendonça disse...

Cláudia, eu também gosto de ruminar umas lembranças. Essa sua história me fez lembrar uma outra. Minha mãe me contou que, eu devia ter uns 4 ou 5 anos e observava no colo de meu avô, (Esmeraldas-MG) os bois passando na estrada rumo a alguma fazenda. Quando eles se aproximaram (conta minha mãe) eu cerrei os olhos e disse ao meu avô, apontando para um de meus olhos:
- Vô, meu olho tá com medo do boi.
Pois é, eu mesmo não estava com medo, só um de meus olhos.
MontanhosoAbraço.