O Acidente
Fevereiro de 1990.
Era meu primeiro carro. Um fusca amarelo com teto solar. Chegara da reforma há apenas uma semana e estava brilhando feito ouro.
Eu estava casada há apenas dois meses e resolvemos passar o final de semana na cidade que meus pais moravam. Mas na hora de sair, o carro (o único objeto meu que nunca teve nome) mostrou problemas nos freios. Meu Szafir tentou me convencer a não ir, mas eu insisti. E ele motorista exímio que sempre foi, controlou o carro com os pulsos firmes e viajamos mais de 200 km e tudo correu bem naquele final de semana. O risco foi negligenciado pelos meus vinte e cinco anos (que, aliás, mantenho até hoje) e a cabeça de vento.
Na segunda-feira, o carro foi para o mecânico para consertar os freios e assim, na terça-feira, dia 6 de fevereiro de 1990, eu pude pegar meu carrinho para ir trabalhar em uma indústria farmacêutica que fica há uns quarenta quilômetros daqui.
Naquele dia, o Szafir precisaria do carro, então, iria comigo e voltaria com ele. Depois iria me buscar. Eram 5:30h da ”madrugada”, horário de verão, e chovia insistentemente, aquela chuvinha mansa que só é boa para as plantas e para dormir.
Eu peguei a direção, e o Szafir foi dormindo no banco do co-piloto.
Logo no início da viagem, já no estado de São Paulo, senti o volante do carro girar sem controle. Justo numa reta e numa descida, ele girava, parecia sem contato com as rodas. Eu, assustada, me descontrolei e pisei violentamente nos freios. Estes, super bem regulados, travaram as rodas e o fusca começou a capotar. Acho que foram umas cinco voltas, morro abaixo. Uma granja à esquerda e um precipício com rio à direita.
Lembro-me do painel amarelo do carro começar a rodar, o s braços longos do Szafir esticados para frente e a pista escura aparecer em meus olhos, depois tudo foi clareando e ficou ofuscante. Não vi mais nada.
Eu sentia uma felicidade imensa, uma sensação de paz, nenhuma dor, e estava numa queda infinita. Comecei a pensar, acho que estou caindo da montanha e vou parar no rio, mas o chão nunca chegava, eu apenas caía, caía, caía.
Finalmente, senti o chão e um barulho esquisito em minhas costas, algo a quebrar. Levantei-me bruscamente e vi que estava no escuro, mas e o clarão? Estava cheia de ovos, roupa rasgada e procurava o Szafir que me apareceu com o rosto coberto de sangue. Eu ignorei o sangue, era como se não fosse com ele. Eu briguei com ele, queria que encontrasse minha bolsa, talão de cheques e batom novo. Não via o carro, não via meu corpo como estava, eu queria sair daquele mato, tenho horror de insetos e outros bichos que poderiam estar ali. E ainda mandei que não falasse nada, eu capotei e nem venha me falar nisto, eu acabei com meu carrinho!
A adrenalina ainda me fez pedir carona no asfalto, mas ninguém parava. Somente quando o dia clareou, um senhor com uma Pampa totalmente carregada aceitou me levar à cidade se eu fosse em cima das caixas. Eu fui, precisava chamar alguém. E ainda deixei o Szafir tomando conta do carro. Eu não tinha nenhuma consciência da gravidade e do que acontecera, eu queria sair dali.
Cheguei à cidade, chamei meu cunhado que é mecânico e voltamos para o local do acidente. O carro dele estava consertando, pedimos emprestado o carro de outro cunhado, que demorou a trazer. Na ida, ainda paramos duas vezes pois o carro tinha um defeito. Meu Deus! Eu queria que acabasse aquilo!
Quando lá chegamos, como que se tivesse levado um balde de água fria, eu lembrei que o Szafir estava sangrando, que estava sozinho e que mal respirava. Fomos socorridos e trazidos para o hospital de Jacu city.
Eu somente acompanhava a maca em que ele estava e pedia que me perdoasse. Ele voou do carro e bateu de frente a uma árvore, cortando a testa. Depois que lhe deram os pontos, ele passou a ter mais dificuldades respiratórias e precisou ser removido. Um dos médicos, amigo nosso, me passou o olho e largou o que fazia. Me levou para outra sala quase carregada, eu ainda estava de pé ajudando a socorrer. Me obrigou a sentar e disse que estava tudo ótimo e que o aparelho de raio x havia quebrado. Eles o levariam para cidades vizinhas para poder tirar uma chapa. Eu acreditei na mentira e relaxei. Aí desmaiei.
Szafir teve uma vértebra amassada e isto atingiu o centro respiratório, a coisa era séria e ele ainda corria o risco de ficar paralítico.
Eu tinha um pequeno pedaço de brita enfiado na sola do pé, sangrava em bicas e não percebia. Minha perna esquerda foi amassada, estava muito machucada e estourando na calça jeans que era bem larga. Eu tinha hematomas no corpo todo, machuquei bastante a coluna e minha cabeça tinha cinco enormes galos, que me transformaram no verdadeiro ET do Sul de Minas.
Fui medicada e passei vários dias toda roxa e com muitas, mas muitas dores. Minha coluna dói até hoje. O Szafir ficou alguns dias no hospital, longe de mim, teve que usar colete de aço por alguns meses, mas se recuperou bem.
Eu só fui conseguir olhar para o carro, dois anos depois. Ele virou ferro velho no fundo de um quintal da família.
Passado um ano, eu já estava grávida de meu primeiro filho, e tive que responder um processo para uma juíza maluca, famosa na região por suas excentricidades. Fui condenada por tentativa de homicídio culposo e minha pena, três meses de detenção, ou serviço comunitário, em pleno carnaval. Além de perder a carteira de motorista. Tudo porque falei a verdade, eu não sei o que aconteceu. Se tivesse mentido e falado que um simples farol me tirou a visão, nada disto teria acontecido. Não houve perícia, eu não bati com ninguém e o carro era meu. Incompetência!
Paguei minha pena em dinheiro, e tive que entrar num fusca novamente para tirar outra carteira de habilitação. Entrei, passei no exame e evito sempre que posso os fuscas.
Por sorte (sorte?), o carro foi para o lado esquerdo, onde havia uma granja. Eu caí em ninhos cheios de ovos, que amorteceram a queda e protegeram meu pescoço. Mais uma vez a mão de Deus me amparou na hora certa...
E de mais um apuro eu escapei...
E de mais um apuro eu escapei...
6 comentários:
Meu Deus, Claudinha...
Você tem um anjo da guarda que permanece de plantão nas 24 horas!
Que bom por isso! Espero que as suas sete vidas de gata não tenham se esgotado! Mas não te desejo nenhum outro apuro. Cruz credo!...
Beijos cuidadosos.
Nussa! A senhora tem mesmo sete vidas.
Bjaum.
Linda!!!
Em fevereiro desse ano, eu dormi no volante e acabei batendo o carro em alta velocidade(+100km/h) num poste de energia.
Perdi o carro, mas ganhei tantos sentimentos novos...Tanta Vida.
Salve a vida, sempre!
Claudinha,
Eu não conhecia as "Memórias..." Vou aproveitar o sábado pra deliciar-me com a fluidez de teus relatos. Esse, em particular, me leva a concordar com o que escreveu Marcos Santos: espero que ainda tenha o crédito das sete vidas!
Um beijo afetuoso e obrigado por suas visitas lá no "Politicamente..."
Nossa, que sufoco. Que bom que vcs dois se recuperaram bem do acidente. Áf... não sou a favor de mentiras, mas às vezes são necessárias. Que juíza doida.
Eu queria comprar um fusca, acho bonitinho. Tô em dúvida agora.
Beijo
Ai ai ai... e não é que me vi neste relato! rs...
Tanto tempo depois de um acidente deste a gente até consegue vê-lo de forma leve, mas viver uma situação desta é terrível, né? Passei por muitos destes apuros. Mas acho que agora aprendi. Acho! Será que a gente aprende? rs
Um beijo moça.
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